Não nascemos da mesma mãe,
não nascemos do mesmo pai,
nascemos do mesmo livro.
Alguém devia estar lendo a mesma página quando nos imaginou.
Você é a página da esquerda e eu sou da direita. Você me antecede.
Só faço sentido depois de sua leitura.
Só tenho significado porque você me segurou nos momentos mais difíceis,
acalmando a minha ansiedade,
dando cama para meu medo,
cavando espaço entre as letras
para que eu sentasse.
Quando alguém não me entende,
volta atrás e lê sua página e você me explica.
Sempre me explicou.
Sempre teve paciência para abrir minhas metáforas.
Vou abraçá-lo como se nunca fosse
terminar de desenhar o seu corpo.
Não sei quando nos conhecemos porque quando amamos
toda a nossa vida quer participar do primeiro encontro.
Meu esquecimento da nossa origem é excesso de memória. Não, é excesso de desejo.
O desejo é tanto que não há como interrompê-lo de lembrar.
Há alguns que pensam rápido demais e não conseguem falar.
Eu amo rápido demais e não consigo lembrar.
Você me ensinou a gentileza dentro do livro
e o palavrão para protegê-lo.
Como adoro quando escreve: "O céu dela, no entanto, céu sobrevivido, firmamento escuro e manso, esse que antes era espaço sem astro algum, agora tinha a renda de constelações. Estrelas escandalosamente brilhantes".
Como adoro quando grita fora da obra: "Puta Merda".
Chego à conclusão de que unicamente merece o palavrão quem cuida da linguagem.
Seu desaforo não é falta de educação,
mas amizade pura,
mostrando que a vida não tem prefácio
para nos explicar.
Fabrício Carpinejar.